






Os estágios da graduação na capoeira
Muitos dos elementos presentes na capoeira não encontram unanimidade entre as diversas escolas. O sistema de graduação é um deles. Entendemos essa divergência não como um ponto negativo, mas como uma característica inerente à capoeira, essa manifestação tão plural que qualquer tipo de redução implica na perda de muitas outras possibilidades. Como tão bem define Mestre Toni Vargas, “A capoeira […] tem várias verdades. E várias outras verdades que se fazem a cada roda […]. Por isso a capoeira não pode ter um dono, e muito menos o dono da verdade” (introdução à música “O Dono da Verdade”, presente no disco “Liberdade”, 2019). Do ponto de vista cronológico, no entanto, o conhecimento transmitido ao longo do tempo nos permite inferir sobre alguns pontos.
Não deve causar espanto a ninguém a afirmação de que a capoeira surge sem um sistema de graduação definido, situação que permanece até meados do século XX, quando se iniciam os esforços de vários mestres por afastar a capoeira da fama de marginalidade. Estes esforços não são necessariamente coordenados ou planejados, mas existia um sentimento pairando de que a capoeira precisava de alguma sistematização para ser aceita no seio social. Como ocorre na maior parte das artes marciais e lutas normatizadas, uma padronização importante diz respeito a quem está apto a dar aulas e que detém conhecimento para falar em nome do grupo ou escola que representa. Grandes mestres como Bimba e Pastinha passam a pautar o assunto. Mestre Bimba é um dos primeiros a criar uma distinção para seus alunos, a respeito da qual Mestre Decânio se refere da seguinte forma:
Na ocasião da formatura, os atletas recebiam um lenço azul, simbolizando a graduação inicial. Ao completar o Curso de Especialização, passavam a usar lenço vermelho. Os habilitados como tocadores de berimbau ostentavam lenço verde. Apontados como “contramestres” eram autorizados a usar a cor amarela. Um lenço branco […] com o “signo de São Salomão” bordado em verde num dos cantos, identificava os Mestres (DECANIO FILHO, 1997, p. 181).
Isto não significava um sistema de graduação nos moldes do que conhecemos hoje: tratava-se de um símbolo, um reconhecimento público realizado no momento do evento. Ou seja: até onde sabemos, os alunos não compareciam nos treinos ou nas rodas utilizando esses lenços; os mesmos eram guardados como certificados conferidos pelo Mestre. O uso do lenço como componente distintivo se dá pela crença de que os lenços de seda pura tinham a propriedade de cegar o fio das navalhas, tão comuns no período da capoeira marginal, protegendo, assim, o pescoço do capoeirista. Mestre Bimba resgata o costume do uso do lenço, aproveitando para criar uma gradação de cores que servia para distinguir seus alunos (Mestre Decânio, 1997, p. 77), criando certa hierarquia, ainda que não fosse exibida explicitamente no dia-a-dia.
Contudo, se Mestre Bimba inovou com a distinção por lenço, Mestre Pastinha criou algumas funções burocráticas para administrar a academia como também para auxiliá-lo nos treinos: criou o Contramestre de Bateria e o Treinel – o primeiro responsável pela formação da Bateria e o segundo responsável pelos treinos (informação dada por Mestre Gato (José Gabriel Góes) presente em RODRIGUES, 2016, p. 60). De todo modo, era comum que treineis e contramestres só assumissem um trabalho próprio após o falecimento de seu mestre ou com expressa autorização do mesmo. Quando o trabalho passava a ser reconhecido, a própria comunidade capoeirística o reconhecia como Mestre. Ainda hoje muitas escolas seguem essa linha, sobretudo grupos ligados à Capoeira Angola.
Outro pioneiro com relação à criação de um sistema de graduação foi Mestre Carlos Senna, criador da Sennavox, uma proposta de vertente da capoeira hoje denominada de “Capoeira Estilizada”, mais voltada para o aspecto competitivo da capoeira. De acordo com Mestre Raimundo Carneiro, já no ano de 1956 Mestre Senna criava um sistema de graduação baseado nas cores das fitas que os alunos deveriam utilizar, sendo que essas cores inspiradas na bandeira do Brasil. Mais informações sobre esta afirmação podem ser encontradas em
www.instagram.com/reel/DMtPnAoyeMZ/?igsh=MWZpaXAxempiNnR0eQ%3D%3D.
No Sudeste, dois momentos são importantes para situarmos essa sistematização com um alcance mais abrangente. Na década de 1960 já eram comuns as apresentações culturais envolvendo capoeira, samba, maculelê e outras manifestações de origem afro-brasileira. O Grupo Senzala era um dos que realizava essas apresentações, sendo um dos que trouxeram algumas inovações. O grupo apresentava-se com calças brancas, havendo variação para uma calça branca com listras vermelhas. Em um dado momento, os idealizadores sugeriram a utilização de uma corda vermelha amarrada à cintura, entendendo que daria uma composição estética interessante. A corda, portanto, não representava qualquer hierarquia ou graduação; foi apenas um acréscimo na indumentária das apresentações.
Ainda assim, a probabilidade é a de que fossem chamados para participar das apresentações os membros do grupo que possuíam maior destreza e habilidade, o que devia coincidir muitas vezes com aqueles que já ministravam aulas e/ou representassem algum tipo de liderança dentro do grupo. A partir daí não é difícil imaginar que tenha havido uma associação direta entre os que utilizavam a corda vermelha com os professores do grupo – muito embora Mestre Itamar, ao recontar essa história, faça questão de frisar que o Grupo Senzala não conferia títulos de professores ou mestres: essa distinção deveria surgir naturalmente (para mais, ver depoimento do mesmo em https://www.youtube.com/watch?v=8ehFtyTGEDw).
Quando essa associação entre a corda e a posição dentro do grupo se mostrou de forma inequívoca, Mestre Rafael Flores (um dos fundadores do grupo) propôs um sistema de graduação baseado nas cores das cordas que os membros do grupo passariam a carregar na cintura. Tendo estabelecido a corda vermelha como o grau máximo a ser alcançado – a corda de mestre – as demais cores seguiam um sistema muito próximo daquele adotado pelas artes marciais orientais: branca (corda crua), amarela, laranja, cinza, azul, verde, roxa, marrom e vermelha.
Em paralelo, também desde a década de 1960 passam a ser organizados eventos em que se pretendia uma maior organização da capoeira. Coube a Mestre Mendonça (Damionor Ribeiro de Mendonça, falecido em 2017) redigir o texto que teria início em 1966 e seria aprovado em 26 de dezembro de 1972 pelo Conselho Nacional de Desporto (CND-MEC) e se tornou o Regulamento Técnico da Capoeira (RTC). Este texto homologou tanto o sistema de graduação baseado nas cores do Brasil quanto a utilização do uniforme branco, preferencialmente. Ao invés de corda de algodão, a graduação era estabelecida em um cordel trançado, também chamado de cordão.
A sequência de cores proposta era a seguinte: verde, verde-amarela, amarela, amarela-azul, azul, verde-amarela-azul, branca-verde, branca-amarela, branca-azul, branca. As quatro primeiras cores representam os diferentes estágios dos alunos; a cor azul identificava o aluno formado e o cordão verde-amarelo-azul distinguia o contramestre; os demais cordéis identificavam os diferentes níveis de mestres. Mais informações sobre Mestre Mendonça podem ser encontradas em artigo de Jefferson Estanislau para o site “Roda de Capoeira” (http://www.rodadecapoeira.com.br/artigo/O-Legado-de-Mestre-Mendonca-para-a-Capoeira/).
O Grupo Nação Malungos utiliza o tradicional uniforme branco, difundido não apenas pela academia de Mestre Bimba como também em respeito à tradição “domingueira”, em que os capoeiristas saíam de casa para suas atividades festivas / religiosas e, não raramente, permaneciam pelas ruas, frequentando as rodas de capoeira.
A participação nas rodas de capoeira não exigia de seus praticantes nenhuma indumentária especial. Eles entravam no jogo calçados e com as roupas do dia-a-dia. Portanto, nas rodas mais tradicionais, aos domingos, e nas festas de largo que se estendiam de dezembro até o carnaval, alguns dos capoeiristas mais destacados faziam questão de se apresentar trajando refinados ternos de linho branco. A sua habilidade ficava demonstrada quando entravam na roda sem sujar a roupa branca de festa (Vieira & Assunção, 1998, p. 36).
Com relação ao sistema de graduação, ao ser fundado, o grupo Nação Malungos criou um sistema próprio, estabelecido pelas cores das cordas de algodão que seus membros utilizam na cintura e amarram do lado esquerdo da calça. Este primeiro sistema proposto pode ser mais facilmente visualizado a partir da ilustração a seguir:
Contudo, ao filiar-se à Confederação Brasileira de Capoeira (CBC), o grupo Nação Malungos passou a adotar o sistema da CBC, que também utiliza as cores da bandeira nacional como base, mas diverge daquele proposto por Mestre Mendonça em 1972:
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